terça-feira, 26 de junho de 2018

Liminar em Habeas Corpus permite que Gustavo Scarpa jogue pelo Palmeiras

O ministro Alexandre Agra Belmonte, do Tribunal Superior Tribunal do Trabalho, concedeu liminar em habeas corpus impetrado pelo jogador de futebol Gustavo Henrique Furtado Scarpa para autorizá-lo a exercer suas atividades perante o clube que escolher. O atleta busca a rescisão indireta do contrato com o Fluminense Football Clube, do Rio de Janeiro (RJ), e pretende se transferir para a Sociedade Esportiva Palmeiras, de São Paulo (SP).

Na reclamação trabalhista, ajuizada em dezembro de 2017, Scarpa aponta o atraso de salários e das parcelas relativas ao direito de imagem como justificativa para o rompimento do vínculo com o Fluminense. O juízo da 70ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro proferiu sentença desfavorável ao jogador, e o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) indeferiu pedido de tutela antecipada, o que impediu sua transferência.
No HC ao TST, a defesa do atleta pede a cassação dos efeitos da sentença da sentença proferida na ação trabalhista e a concessão da ordem para que ele possa “estar livre para o trabalho onde for de seu interesse, independentemente de quem seja o empregador”.

Decisão

O ministro Alexandre Agra explica que, segundo o artigo 30 da Lei Pelé (Lei 9.615/1998), basta o atraso por prazo superior a três meses para caracterizar a mora contumaz e justificar a rescisão indireta. “A caracterização do atraso abrange férias, décimo terceiro salário, salário e demais verbas salariais, além do direito de imagem”, assinala, lembrando ainda que a Constituição da República assegura a liberdade para o exercício profissional.

Para o relator, decisão que praticamente obriga o jogador a se submeter a essa situação atenta contra o texto constitucional e contra a liberdade de trabalho. “Basta dizer que o atleta já tinha se transferido para outra agremiação, como expressamente permite o parágrafo 5º do artigo 28 da Lei 9.615/98, e que tal contrato, com o Palmeiras, foi rompido em virtude de decisão judicial”, destaca. “O direito de se transferir para outra entidade é líquido e certo e está sendo indevidamente obstado por ato de autoridade”.

A decisão autoriza Scarpa a se transferir para outro clube e vale como mandado inclusive para registro de novo contrato em federação ou confederação de futebol, permanecendo pendentes de julgamento as demais questões decorrentes da rescisão contratual.


Veja abaixo a íntegra da decisão:


PODER JUDICIÁRIO 
JUSTIÇA DO TRABALHO 
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO 
HC - 1000462-85.2018.5.00.0000 



IMPETRANTE : MAURICIO DE FIGUEIREDO CORREA DA VEIGA E LUCIANO ANDRADE PINHEIRO 

ADVOGADO : Dr. MAURICIO DE FIGUEIREDO CORREA DA VEIGA 
PACIENTE : GUSTAVO HENRIQUE FURTADO SCARPA 
IMPETRADO : FLUMINENSE FOOTBALL CLUB

D E C I S Ã O


                                 MANTER ATLETA APRISIONADO A UM CONTRATO DETERIORADO PELA MORA CONTUMAZ ATENTA CONTRA OS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA LIBERDADE DE TRABALHO, ESTE COM ASSENTO CONSTITUCIONAL, MORMENTE QUANDO TEXTO EXPRESSO DE LEI O LIBERTA. INTERPRETAÇÃO SOBRE O PRINCÍPIO DA IMEDIATIDADE CAPAZ DE LEVAR AO ABSURDO, CORRESPONDE A VERDADEIRA IMPOSIÇÃO DE SUPORTABILIDADE DE CONDIÇÕES DE TRABALHO ATENTATÓRIAS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. O ALVARÁ DE SOLTURA DA PRISÃO CONTRATUAL SE IMPÕE NESSAS CIRCUNSTÂNCIAS.


                                          MAURÍCIO DE FIQUEIREDO CORRÊA DA VEIGA LUCIANO

ANDRADE PINHEIRO impetram HABEAS CORPUS, com pedido liminar, em favor de GUSTAVO HENRIQUE FURTADO SCARPAcontra ato do Desembargador Cesar Marques Carvalho do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região que proferiu decisão “ que indeferiu pedido liminar a que concedido efeito suspensivo a Recurso Ordinário interposto nos autos da Reclamação Trabalhista de nº 0102122-33.2017.5.01.0070, bem como MM. Juíza da 70ª Vara do Trabalho da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, Dra. Dalva Macedo prolatora de sentença manifestamente ilegal que julgou improcedente requerimento do ora Paciente a que reconhecida a rescisão indireta do contrato especial de trabalho do ora paciente em relação ao TERCEIRO INTERESSADO, FLUMINENSE FOOTBALL CLUB, entidade de prática desportiva nos termos da Lei 9.615/98 (“Lei Pelé)” (pág. 3)

Alega o paciente que é atleta profissional mediante “Contrato Especial de Trabalho Desportivo – CETD” firmado com o Fluminense Football Club desde 22/7/2014, tendo seu contrato renovado por consecutivos instrumentos particulares, inclusive com cláusulas de reajuste salarial com vigência estendida até 25/9/2020.

Alegando atraso de salário de novembro 2017, 13º salário de 2016, férias 2016, FGTS de junho a novembro 2017 e direito de imagem de agosto e novembro de 2017, Gustavo Henrique Furtado Scarpa ingressou em 22.12.2017 com reclamação trabalhista, postulando a rescisão indireta do contrato e a concessão de tutela de urgência para a declaração do imediato rompimento, para efeitos liberatórios.

Em janeiro de 2018 o Fluminense Football depositou parte das parcelas de FGTS e salariais. Não pagou as férias de 2016 e não quitou os valores devidos a título de direito de imagem, o que é incontroverso nos autos.

O pedido liminar de antecipação dos efeitos da tutela de urgência foi indeferido pela Vara. Interposto mandado de segurança contra essa decisão, o impetrante obteve a tutela de urgência para determinar a imediata rescisão do contrato.

Em agravo regimental, a decisão foi cassada por 5 x 4.

No julgamento do mérito do mandado de segurança, foi mantida a decisão proferida no agravo regimental.

Sobreveio sentença da Vara na reclamação trabalhista, proferida nos termos da decisão do mandado de segurança.

Em síntese, no agravo e na sentença o fundamento foi o de que no final de 2016, quando o atleta renovou o contrato, o clube já se encontrava em mora e ainda assim aceitou a renovação, pelo que, pelo princípio da imediatidade, não pode se beneficiar da rescisão indireta por mora contumaz.

Interposto recurso ordinário com pedido de efeito suspensivo a liminar na tutela de urgência foi negada.

O reclamante-recorrente, ora paciente, ingressou então com o presente HABEAS CORPUS em que requer “liminarmente a concessão de ordem que autorize o atleta a estar livre para o trabalho onde for de seu interesse independentemente de quem seja o empregador. Para tanto, pleiteia-se que imediatamente sejam expedidos ofícios à Confederação Brasileira de Futebol, com sede na Avenida Luis Carlos Prestes, nº 130, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ, CEP 22775-055, e às outras federações interessadas (Federação de Futebol do Rio de Janeiro, com sede na Av. Manoel de Abreu, 76, Maracanã, Rio de Janeiro, CEP 20550-170) dando baixa ao contrato de trabalho nº 1251826RJ do jogador com o Fluminense Football Club, cassando os efeitos da sentença da ação trabalhista e anulando a decisão que não concede a tutela de urgência do Recurso Ordinário.” (pág. 35)

Defende estar presente o do fumus boni iuris manifestado mediante juntada de extratos bancários, não refutados à contestação, que atestam a insofismável ausência de pagamento das verbas em comento pelo Terceiro Interessado – Ids 4a8dc72, Ida6d3ec8, a3e58a8 da Reclamação Trabalhista); e o periculum in mora, “consoante demonstração cabal da vinculação forçada do Paciente a devedor contumaz, aliada ao fato de que extremamente curta a carreira do atleta profissional de futebol, bem como céleres e minguantes os períodos em que permitida a transferência de atletas entre clubes ou a sua inscrição para disputa de campeonatos. (pág. 7)

É o Relatório.

Examino.

Até a edição da Lei Geral do Desporto (nº 9.615/1998), o contrato de trabalho do jogador profissional de futebol, então de 3 meses a 2 anos, podia ter o seu prazo findo, mas, para efeito de proteção do investimento feito pela agremiação desportiva no atleta, continuava vinculado à agremiação em razão do passe, que representava um direito econômico, de propriedade da entidade de prática desportiva (art.11 da revogada Lei nº 6.354/1976).

Findo o contrato sem renovação pelo atleta, como o passe pertencia à entidade de prática desportiva, ele ficava sem receber salário.

Carreiras promissoras ou reconhecidas foram destruídas por agremiações que pelas mais variadas razões impossibilitavam transferências ao talante de dirigentes, que muitas vezes até impediam o atleta de ser escalado, remetendo-o ao ostracismo com o passar do tempo.

A Lei nº 9.615/1998 alterou o prazo de vigência do contrato especial de trabalho desportivo (mínimo de 3 meses e máximo de 5 anos, art.30) e buscou dar às agremiações desportivas e aos atletas profissionais outra forma de proteção.

O art.28 na sua redação originária criou uma cláusula penal para os novos contratos, aplicável às hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.

Com efeito, dispõe o mencionado art. 28 da Lei nº 9.615/1998:

“A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente:

II - cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º.

III - com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial, de responsabilidade da entidade de prática desportiva empregadora, nos termos desta Lei;

IV - com a rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista.”

O artigo 31 da referida lei, por seu turno, define as hipóteses que caracterizam a rescisão indireta, por mora contumaz, in verbis:

“A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário ou de contrato de direito de imagem de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para transferir-se para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos.

§ 1º. São entendidos como salário, para efeitos do previsto no caput, o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho.

§ 2º. A mora contumaz será considerada também pelo não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias.”

Portanto, basta o atraso por prazo superior a três meses, para caracterizar a mora contumaz. E a caracterização do atraso abrange férias, décimo terceiro salário, salário e demais verbas salariais, além do direito de imagem.

Nos termos da Súmula 13, do TST, “o só pagamento dos salários atrasados em audiência não elide a mora capaz de caracterizar a rescisão do contrato de trabalho.”

Diante desse cenário, o pagamento parcial e extemporâneo feito pelo clube não teve o efeito retroativo de eliminar a mora já caracterizada.

Caracterizada a mora, pode o atleta transferir-se para outra agremiação:

“§ 5º O atleta com contrato especial de trabalho desportivo rescindido na forma do caput fica autorizado a transferir-se para outra entidade de prática desportiva, inclusive da mesma divisão, independentemente do número de partidas das quais tenha participado na competição, bem como a disputar a competição que estiver em andamento por ocasião da rescisão contratual.

 A Constituição Federal assegura, no artigo 5º, inciso XIII, a liberdade para o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Logo, a norma prevê, a um só tempo, que ninguém pode ser obrigado a trabalhar, que trabalhar de forma livre é um direito fundamental e que, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, há liberdade de escolha ou de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

Embora autoaplicáveis, os direitos fundamentais são efetivados inclusive por meio de garantias constitucionais, entre elas remédios heróicos de concretização, como mandado de segurança e habeas corpus.

Assim, tem pleno cabimento o presente habeas corpus e no meu entender, carece de fundamento jurídico aplicar, no presente caso, o princípio da imediatidade, para condenar o atleta a receber em atraso as parcelas salariais e demais obrigações pelo resto do contrato, pelo simples fato de, em 2016, ter dado crédito ao clube e aceitado a renovação em condições de mora. Efetivamente, um ano depois, persistindo a mora, e de forma contumaz, não há quem não tenha como insuportável conviver com tamanho calvário. Se o atleta, na renovação do contrato, em 2016, deu uma chance à agremiação empregadora, isso não significa que, passado o tempo e persistindo o descumprimento de obrigações deva suportá-lo ad eternum. Decisão que praticamente obriga o atleta a se submeter a essa penúria atenta contra o texto constitucional e contra a liberdade de trabalho. Basta dizer que o atleta já tinha se transferido para outra agremiação, como expressamente permite o §5º do art. 28 da Lei nº 9.615/98 e tal contrato, com o Palmeiras, foi rompido em virtude de decisão judicial. Independentemente de providência judicial já tomada, a espera pela tramitação regular pode inviabilizar a concretização do direito fundamental ao exercício da liberdade de trabalho em outro lugar, o que autoriza a imediata garantia por meio de habeas corpus para libertá-lo dessa prisão contratual, cuja competência, no caso, é da Justiça do Trabalho. O direito de se transferir para outra entidade é líquido e certo e está sendo indevidamente obstado por ato de autoridade. Os efeitos econômicos e a forma de terminação aí sim, serão apurados no processo já em tramitação na 2ª instância. Negar a utilização do HABEAS CORPUS corresponderia, na prática, a repristinar a lei do passe, que impunha a impossibilidade do direito do atleta de ir para outra agremiação, agora numa roupagem de aprisionamento com base numa desarrazoada interpretação do princípio da imediatidade e contrariando texto expresso e libertário de lei.

Com estes fundamentos, DEFIRO liminarmente a ordem de habeas corpus, a fim de autorizar o paciente a estar livre para exercer suas atividades profissionais perante o clube que escolher, valendo esta decisão como mandado inclusive para registro de novo contrato em Federação ou Confederação de futebol, permanecendo sub judice as demais questões que emergem da rescisão contratual. Dê-se ciência dessa decisão a autoridade coatora, para as providências cabíveis e expeça-se ofícios à Confederação Brasileira de Futebol e à Federação de Futebol do Rio de Janeiro e outras Federações interessadas. Publique-se. Brasília, 25 de junho de 2018.


ALEXANDRE DE SOUZA AGRA BELMONTE
Ministro Relator

Fonte: TST

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